De tempos em tempos, surge uma animação que tenta revisitar temas clássicos com um novo olhar. Entre Penas e Bicadas, dirigido por Dong Long e Nigel W. Tierney, é uma dessas tentativas, uma fábula visualmente encantadora que, sob sua aparência simples, busca discutir identidade, pertencimento e o peso das expectativas sociais. Produzido na China, o filme aposta em uma mistura entre comédia leve e drama familiar, equilibrando emoção e entretenimento.

A trama
Criado desde o nascimento por uma amorosa galinha chamada Biddy e pela engenhosa irmã adotiva Catraca, o jovem Bico Dourado sempre acreditou ser diferente, mas nunca soube ao certo o porquê. Embora tenha nascido com asas largas e olhos curiosos voltados para o céu, foi ensinado desde pequeno que voar era perigoso, mais ainda, que não era algo para alguém como ele. Cercado por galinhas que enxergam o mundo apenas do chão, Bico Dourado cresceu tentando se encaixar, escondendo o desejo de descobrir quem realmente é.
Quando um misterioso artefato do passado vem à tona, revelando indícios de que ele pode ter origens nobres, Catraca sempre curiosa e destemida, convence o irmão a partir numa jornada até Bird City, uma metrópole vertical onde aves de todas as espécies vivem lado a lado, mas onde as divisões entre as castas aladas são mais rígidas do que nunca. Lá, Bico Dourado se vê diante de um mundo que parece ter todas as respostas, mas também muitos segredos.
Ao chegar à cidade, o jovem descobre que pertence a uma linhagem importante: ele é sobrinho do prefeito, uma águia poderosa que governa Bird City com discursos inspiradores, mas intenções duvidosas. Enquanto tenta se adaptar ao novo ambiente, Bico dourado percebe que há algo obscuro por trás da aparente ordem da cidade, uma trama política que envolve corrupção, rivalidades e uma antiga disputa entre as águias dominantes e as humildes galinhas do campo.
Entre os novos aliados, ele encontra um falcão ambicioso que começa como rival, mas acaba se tornando uma peça-chave em sua jornada de amadurecimento. Conforme o jovem herói se aproxima da verdade sobre o destino de seus pais, vítimas de um acidente que pode não ter sido tão acidental, as tensões aumentam e a fronteira entre o certo e o errado se torna cada vez mais turva.
Quando a cidade entra em colapso e a guerra entre as espécies parece inevitável, Bico Dourado é forçado a escolher entre a herança de sangue que o chama ao poder e o amor da família que o criou no chão. Sua decisão final não é apenas sobre onde ele pertence, mas sobre o que significa realmente voar: seguir o destino que os outros escreveram para ele ou abrir suas próprias asas e criar um novo caminho.

O arco do protagonista segue o modelo clássico do herói inseguro que precisa se reconhecer antes de conquistar o mundo. O roteiro não foge da estrutura previsível das animações familiares: há o vilão ganancioso que ameaça o equilíbrio da comunidade, a jornada de autodescoberta e a lição moral sobre coragem e autenticidade. No entanto, dentro desse molde conhecido, o filme encontra momentos de genuína beleza. A descoberta do passado do protagonista e o dilema de pertencer a dois mundos criam passagens que, embora simples, ressoam emocionalmente com o público infantil e tocam algo de universal nos adultos.
Visualmente, Entre Penas e Bicadas é uma produção competente. A animação por computador não atinge o refinamento técnico dos grandes estúdios de Hollywood, mas compensa com direção de arte criativa e um uso expressivo das cores. As paisagens aéreas, especialmente nas cenas em que o protagonista tenta aprender a voar, têm uma qualidade poética que transmite tanto liberdade quanto medo. É um filme que, quando se permite respirar, encontra poesia nos pequenos gestos: um olhar trocado, o bater desajeitado de asas, o primeiro salto no vazio.
Ainda assim, o longa sofre com problemas de ritmo. Após um início promissor e emocionalmente carregado, a narrativa se acelera demais no segundo ato. As cenas de ação, embora vibrantes, carecem de peso dramático, e o clímax parece surgir de forma apressada, resolvendo conflitos complexos em poucos minutos. Fica a impressão de que o roteiro tinha mais a dizer, principalmente sobre o passado político da família do protagonista e o papel de seu pai na história, mas optou por simplificar em favor de uma conclusão mais leve e infantil.
O humor, por sua vez, oscila. Enquanto alguns diálogos têm timing preciso e um charme que remete às animações da DreamWorks, outros soam deslocados, com piadas que interrompem o tom emocional das cenas. O filme encontra seu melhor equilíbrio quando aposta na cumplicidade entre os personagens, especialmente na relação entre o protagonista e Ratchet, que nunca cai na caricatura.
Do ponto de vista temático, Entre Penas e Bicadas lida com ideias poderosas, a busca por identidade, o medo da rejeição, a descoberta de que o amor pode vir de lugares inesperados. Mesmo que o roteiro não explore todas essas camadas com a profundidade possível, há uma sinceridade palpável em cada tentativa. É um filme que acredita nas suas próprias emoções, e essa honestidade o torna cativante.
Entre Penas e Bicadas pode não reinventar o gênero da animação familiar, mas conquista por seu coração e sua mensagem positiva. É uma história previsível, mas contada com entusiasmo e empatia. As falhas de ritmo e o desfecho apressado impedem que o filme alcance voos mais altos, mas a jornada do protagonista, de uma águia que não sabia voar a um símbolo de coragem e autoaceitação,carrega uma verdade que transcende o público-alvo.
Em última análise, Entre Penas e Bicadas é sobre encontrar força nas diferenças e entender que pertencer não é sobre onde nascemos, mas sobre quem escolhe ficar ao nosso lado. Um filme simples, mas com alma, que apesar de suas asas pequenas, consegue tocar o céu.
NOTA: 4 | de 5
Entre Penas e Bicadas está em exibição exclusivamente nos cinemas.
Título Original: GoldBeak
Direção: Nigel W. Tierney, Dong Long
Roteiro: Robert N. Skir, Jeff Sloniker, Vivian Yoon
Elenco (vozes originais): Park Shi-yoon, Liu Xingzuo, Chen Hao, Kim Yong, Jeong Seok-won, Seo Jeongik, Huan Ting, Zeno Robinson, Sean Kenin, Debi Derryberry, Debra Wilson, Jason Patrick
Distribuição: A2 Filmes
China | 2023 | 94 min. | Aventura – Família – Animação | Livre



