‘Sorry, Baby‘ parte de uma constatação universal, que existe uma vida antes e depois daquilo que chamamos simplesmente de a coisa ruim, mas o filme de Eva Victor transforma essa divisão em algo menos rígido e mais caótico, mais absurdo, mais humano. Em vez de um drama pesado ou de uma comédia escapista, a obra funciona como um retrato surpreendentemente íntimo da tentativa de continuar vivendo quando algo traumático insiste em permanecer como uma sombra na vida adulta.
A narrativa se desenrola em dois tempos. No presente, acompanhamos Agnes, interpretada pela própria Eva Victor, agora professora na universidade onde estudou. A chegada de sua antiga amiga Lydie (Naomi Ackie), grávida e radiante, cria um reencontro cheio de afeto, brincadeiras e cumplicidade, mas também desperta lembranças de um passado que nunca foi totalmente enfrentado. O filme então retorna aos anos de pós-graduação de Agnes, período em que seu talento acadêmico chama a atenção do professor Decker (Louis Cancelmi). É nesse contexto, durante uma visita à casa do docente, que o trauma acontece, uma noite comum que se torna o ponto de ruptura de sua vida.
A força de ‘Sorry, Baby‘ está em como Eva Victor, conhecida por sua veia cômica online, utiliza o humor como mecanismo de sobrevivência. A montagem encontra maneiras ousadas de inserir pequenos respiros cômicos em situações que, de outra forma, colapsariam emocionalmente; médicos desatentos, autoridades que não sabem o que dizer, silêncios constrangedores que viram piada interna. A sensação é de estar assistindo a alguém tentando reorganizar o próprio mundo com ferramentas quebradas, e rindo porque, muitas vezes, essa é a única resposta possível.

As interpretações também carregam essa ambivalência. Eva Victor equilibra vulnerabilidade e sarcasmo com uma precisão comovente, criando uma protagonista cuja dor nunca é explorada como espetáculo. Naomi Ackie, como Lydie, atua como uma espécie de gravidade emocional: estável, calorosa, presente no exato nível em que Agnes precisa. Louis Cancelmi interpreta Decker sem caricaturas, ele é desconcertantemente normal, e justamente isso torna seu papel na história tão perturbador. Já o personagem de Lucas Hedges, Gavin, oferece a Agnes um vínculo afetivo repleto de limites e mal-entendidos, reforçando a ideia de que a cura não segue um caminho romântico ou previsível. A grande surpresa do elenco é Natasha, vivida por Kelly McCormack, uma colega amarga, competitiva e irresistivelmente engraçada, que rouba cenas e revela nuances inesperadas.
Nos bastidores, o filme reúne talentos de peso: Barry Jenkins aparece como produtor, enquanto a fotografia de Mia Cioffi Henry molda o ambiente universitário da Nova Inglaterra com tons de aconchego áspero, casas antigas, vento cortante, casacos enormes, luz suave demais para aquecer de verdade. A figurinista Emily Constantino cria um mundo de roupas confortáveis, largas, vividas, que reforçam a sensação de uma personagem que tenta se proteger do mundo com camadas de tecido e ironia.
‘Sorry, Baby’ não é sobre o trauma em si, mas sobre o que resta depois, as tentativas, os tropeços, os gestos gentis, as amizades que nos impedem de afundar. Quando Agnes segura o bebê de Lydie nos minutos finais do filme, percebemos que há uma consciência dolorosa do que ainda está por vir, mas também uma escolha deliberada: estar presente, mesmo que imperfeitamente, para quem se ama. É um gesto pequeno, mas poderoso.
‘Sorry, Baby‘ é um filme singular, delicado e cheio de nervos expostos, e essa é justamente sua força. Eva Victor cria uma obra que se recusa a ser definida por um único tom ou gênero, oferecendo uma história de sobrevivência que abraça o absurdo, o desconforto e o carinho em igual medida. É uma estreia que anuncia não apenas uma cineasta promissora, mas uma nova forma de representar o trauma na ficção: menos como ferida aberta e mais como parte do caminho que continuamos a trilhar.
NOTA: 5 | de 5

Título Original: Sorry, Baby
Direção: Eva Victor
Roteiro: Eva Victor
Elenco: Eva Victor, Naomi Ackie, Louis Cancelmi, Kelly McCormack, Lucas Hedges, John Carroll Lynch
Distribuição: Mares Filmes | Alpha Filmes
EUA – Espanha – França | 2025 | 103 min. | Drama – Comédia
Sorry, Baby está em exibição exclusivamente nos cinemas


