
“Filhos”: Gustav Möller troca a tensão das linhas de emergência por um drama contido e penetrante dentro dos muros de uma prisão
Depois de impressionar com The Guilty (O Culpado), onde construiu um thriller eletrizante a partir de um único espaço e voz, o diretor Gustav Möller retorna com Filhos, um drama psicológico silencioso, mas afiado, que mergulha na culpa, na maternidade e na complexa arte de cuidar de quem já foi considerado irrecuperável.
Dessa vez, a ação não acontece por meio de telefonemas desesperados, mas dentro dos corredores frios de uma penitenciária. A protagonista é Eva Hansen, interpretada com contenção e força por Sidse Babett Knudsen (conhecida pela série Borgen), uma agente penitenciária que prefere a empatia à intimidação. Pequena em estatura, mas firme na presença, ela comanda respeito não pelo grito, mas pela escuta.
Nos primeiros minutos, Möller constrói um retrato delicado da rotina de Eva, mostrando que sua dedicação aos detentos não é movida por rigidez institucional, mas por um senso pessoal de responsabilidade. Ela não tenta compensar a ausência de força física com autoritarismo: tenta compreender. É só mais adiante que o público entende a dimensão disso, Eva perdeu o filho, Simon, dentro do sistema prisional. Desde então, cada prisioneiro é, de certa forma, um reflexo do filho que ela não conseguiu salvar.
“Filhos” desconstrói o arquétipo do agente compassivo com um dilema que corrói silenciosamente a protagonista
Filhos pode até começar como o retrato de uma funcionária pública empática e resiliente, mas logo revela intenções muito mais sombrias. A agente penitenciária Eva Hansen, não é movida apenas por compaixão, ela é uma mulher em guerra interna, à beira de um confronto inevitável com seu passado.
A virada acontece cedo. Entre os recém-chegados à prisão, Eva identifica um rosto impossível de esquecer: Mikkel Iversen (Sebastian Bull), o homem responsável pela morte de seu filho. Alto, tatuado e com um olhar duro de quem já não espera nada do mundo, Mikkel reabre feridas que Eva mantinha suturadas com disciplina e silêncio. A partir desse instante, sua postura muda sutilmente, e o filme convida o espectador a mergulhar nesse abismo psicológico: o que ela vai fazer agora?
Em vez de recuar, Eva surpreende ao pedir transferência para a ala mais hostil da prisão, o Centro Zero, onde Mikkel será mantido após um novo ato de violência. Lá, os detentos são considerados irrecuperáveis. É um espaço de tensão constante, onde a sobrevivência exige mais do que força: exige nervos de aço e limites bem definidos. O comandante Rami (Dar Salim), experiente e pragmático, percebe a determinação incomum de Eva e tenta prepará-la. Ele acredita estar protegendo-a, mas talvez não perceba que o perigo maior esteja justamente em sua calma impenetrável..
Filhos não se apoia em reviravoltas ou clímax explosivos. Sua força está no que não é dito, nas ausências, nos silêncios entre as grades. Möller, mais convencional aqui do que em O Culpado, ainda assim mantém sua assinatura: contar histórias densas com recursos mínimos. Muito do que move a narrativa permanece fora de quadro, é o espectador quem precisa preencher as lacunas emocionais, imaginar os traumas, montar os pedaços do passado.
O resultado é um filme que, embora mais tradicional em estrutura, é profundamente humano e carregado de tensão moral. Um estudo sobre redenção, luto e a esperança silenciosa de que, ao cuidar do outro, talvez ainda seja possível curar a si mesmo.
“Filhos” flerta com a excelência, mas esbarra em escolhas narrativas que enfraquecem parte do seu impacto. Ainda assim, entrega um drama psicológico envolvente, ideal para quem aprecia histórias carregadas de dilemas morais e tensão contida.
Apesar de algumas decisões que limitam o potencial da trama, o filme levanta questionamentos importantes, sobre justiça, vingança e até onde vai a empatia quando colocada à prova. Mais do que oferecer respostas, Filhos instiga o espectador a pensar: o que você faria no lugar de Eva?
É um daqueles filmes que continuam ecoando depois da sessão, não pela ação, mas pelas implicações éticas que propõe. Além de funcionar como um suspense sóbrio e contido, também serve como espelho para refletir sobre os mecanismos sociais e emocionais que moldam nossas escolhas.
NOTA: 4 | de 5
Título Original: Vogter
Direção: Gustav Möller
Roteiro: Gustav Möller, Emil Nygaard Albertsen
Elenco: Sidse Babett Knudsen, Sebastian Bull, Dar Salim, Marina Bouras, Olaf Johannessen, Jacob Lohmann, Siir Tilif
Distribuição: Mares Filmes
França – Dinamarca – Suécia | 2024 | 100 min. | Drama | 14 anos
“Filhos” estreou nos cinemas brasileiros na última quinta-feira, 31 de julho, com distribuição da Mares Filmes. Confira o trailer:
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