No terror japonês “Dollhouse” (ドールハウス, 2025), o diretor Shinobu Yaguchi, conhecido por comédias leves e inspiradoras como Swing Girls, Waterboys e Robo-G, surpreende ao mergulhar pela primeira vez no terreno do terror psicológico. É uma guinada ousada em sua filmografia, marcada até então por leveza e humor, e que aqui assume tons sombrios e introspectivos. O resultado é um filme que alterna entre o perturbador e o trágico, entre o riso nervoso e o puro desconforto emocional.
A trama acompanha Yoshie (Masami Nagasawa), uma mulher que perde a filha pequena em um acidente doméstico. Incapaz de lidar com o luto, ela adota uma boneca em tamanho real, vestindo-a com as roupas da menina e tratando-a como se fosse a própria filha. O marido, Tadahiro (Koji Seto), tenta compreender e apoiar esse estranho processo de negação, mas a chegada de uma nova criança à casa muda completamente a dinâmica. Quando a boneca é esquecida, algo parece despertar, e o que começa como um drama familiar se transforma lentamente em um pesadelo psicológico.


Yaguchi conduz o início com um equilíbrio impressionante entre emoção e tensão, transformando o cotidiano em fonte de angústia. A sequência que mostra a tragédia é uma das mais impactantes do cinema japonês recente, tanto pela sua simplicidade quanto pela carga emocional que carrega. A partir daí, o medo surge de maneira quase invisível: não há sustos fáceis nem exageros visuais, mas uma crescente sensação de que algo está errado, de que o luto pode se tornar uma presença viva e ameaçadora dentro da casa.
Visualmente, “Dollhouse” é de uma elegância fria. A fotografia de tons azulados e a direção de arte minimalista reforçam a sensação de isolamento, enquanto a antiga casa onde o casal vive parece respirar junto com os personagens. Há também uma camada simbólica importante: Yaguchi faz referência às cerimônias japonesas de cremação de bonecas, tradição que mistura respeito, espiritualidade e superstição. Essa escolha dá ao filme uma profundidade cultural rara, transformando o terror em uma reflexão sobre memória, ritual e culpa.

O elenco sustenta o drama com intensidade. Masami Nagasawa entrega uma atuação magistral, explorando a dor e a fragilidade de Yoshie sem recorrer a histeria. Seu olhar vazio e os gestos contidos dizem mais do que qualquer diálogo. Já Koji Seto, no papel do marido racional que tenta salvar a esposa de um colapso, tem boa presença, embora o roteiro perca ritmo quando desloca o foco para ele no último ato. Ainda assim, o casal mantém uma química trágica que torna o desfecho emocionalmente devastador.
O maior mérito de Yaguchi está em compreender que o horror não precisa ser gritante. Ele cria um terror silencioso, construído sobre o som do vento, o ranger do assoalho e o olhar inerte da boneca. Essa sutileza faz de Dollhouse uma experiência sensorial e emocional, um filme que não busca assustar, mas inquietar.
Apesar de alguns tropeços na montagem e de um epílogo talvez desnecessário, “Dollhouse” confirma a versatilidade de Yaguchi e mostra que o cinema japonês ainda sabe transformar o íntimo em algo assustador.

“Dollhouse” é um terror elegante, doloroso e profundamente humano. Substitui o susto fácil pela melancolia, e o horror sobrenatural pelo peso real da perda. Um filme sobre o que acontece quando o amor não aceita a morte, e o luto se torna o verdadeiro fantasma que habita a casa.
NOTA: 4 | de 5

FICHA TÉCNICA
Direção: Shinobu Yaguchi
Roteiro e História Original: Shinobu Yaguchi
Música: Yaffle
Tema Musical: “Katachi” – Zutomayo (Universal Music)
Produção: Toho, Toho Studio, Django Film
Distribuição: SATO COMPANY
Duração: 110 minutos
Idioma: Japonês (Legendado)
País: Japão
ELENCO
Masami Nagasawa – Kae Suzuki
Koji Seto – Tadahiko Suzuki
Aoi Ikemura – Mai Suzuki
Tetsushi Tanaka – Kanda
Totoka Honda – Mei Suzuki
Jun Fubuki – Toshiko Suzuki
‘Dollhouse‘ estreia nos cinemas em 6 de novembro, com distribuição da Sato Company


