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Crítica | A Meia-Irmã Feia transforma o conto da Cinderela em um pesadelo sobre beleza e crueldade

Há muito tempo, os contos de fadas deixaram de ser inocentes, mas raramente foram revisitados com o mesmo grau de ousadia e desconforto que A Meia-Irmã Feia, da norueguesa Emilie Blichfeldt. A diretora mergulha nas sombras do clássico “Cinderela” e troca o brilho dos castelos da Disney por bisturis, sangue e uma boa dose de ironia.

Aqui, o foco sai da doce heroína e recai sobre Elvira (Lea Myren), a meia-irmã rejeitada, gordinha e de nariz torto, que acredita merecer o amor do príncipe Julian (Isac Calmroth). Mas a beleza, como o filme insiste em lembrar, é um campo de batalha cruel, e Blichfeldt transforma essa obsessão em um espetáculo grotesco e fascinante.

Sem fada madrinha, Elvira é entregue às mãos de um cirurgião charlatão, Dr. Esthétique (Adam Lundgren), e de uma sociedade que cobra perfeição a qualquer custo. O resultado é uma sequência de transformações dolorosas e bizarras, filmadas com um humor sombrio que flerta com o horror corporal. O espectador ri e se encolhe ao mesmo tempo, uma dualidade que se torna a força do filme.

Visualmente, A Meia-Irmã Feia é um espetáculo que mistura o grotesco e o sublime com rara precisão. A diretora Emilie Blichfeldt constrói um universo em que cada detalhe visual serve a uma ironia: os figurinos barrocos, com suas rendas sufocantes e corsets quase torturantes, revelam o peso da beleza imposta; enquanto a maquiagem exagerada e as perucas descomunais dão às personagens um ar de bonecas deformadas, belas, mas presas em seus próprios reflexos.

A fotografia, que alterna tons pastéis delicados com sombras densas e luzes quase cirúrgicas, reforça essa sensação de que o conto de fadas e o pesadelo coexistem no mesmo espaço. O castelo, por exemplo, é iluminado como um salão de banquete, mas o brilho das velas denuncia rachaduras nas paredes e olhares desesperados nos espelhos. Tudo parece belo à distância, mas desconfortável de perto, um reflexo direto da jornada de Elvira.

Ainda que o filme por vezes exagere em suas metáforas visuais e se estenda em sequências grotescas, Blichfeldt mantém um controle notável sobre o tom. Sua direção é firme e compassiva: ela não ridiculariza suas personagens, mas as envolve em um olhar de empatia. Em vez de rir da feiura, o filme ri do sistema que a define. Assim, A Meia-Irmã Feia se torna menos um conto de transformação e mais um grito contra o culto da perfeição, revelando o vazio cruel que se esconde por trás da beleza, seja neste reino distorcido ou no nosso próprio mundo.

Com sua mistura de humor ácido, crítica social e horror visual, A Meia-Irmã Feia é um dos contos de fadas mais provocativos dos últimos anos. Emilie Blichfeldt transforma a crueldade da beleza em arte e desconforto, entregando um filme tão repulsivo quanto hipnotizante. Um espelho quebrado onde o feio e o belo se confundem, e ninguém sai ileso ao olhar.

NOTA:  4,5 | de 5

A Meia-Irmã Feia chega exclusivamente nos cinemas brasileiros no dia 23 de outubro, com cópias dubladas e legendadas e distribuição da Mares Filmes e a Alpha Filmes.

Título Original: Den Stygge Stesøsteren | The Ugly Stepsister

Direção: Emilie Blichfeldt

Roteiro: Emilie Blichfeldt

Elenco: Lea Myren, Ane Dahl Torp, Thea Sofie Loch Næss

Distribuição: Mares Filmes | Alpha Filmes

Noruega – Dinamarca – Romênia – Polônia – Suécia | 2025 | 109 min. | Terror – Comédia | 18 anos

Criador de conteúdo do ON Pop Life, é apaixonado por cinema, cultura geek e pop japonesa. Atua há mais de 10 anos na cobertura de eventos, shows e já organizou eventos de anime.