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Crítica | Entre o barulho e o silêncio: ‘Ruídos’ transforma o som em puro horror

O terror sul-coreano há muito tempo se destaca por sua ousadia em explorar o medo não apenas como sensação, mas como sintoma de uma sociedade em colapso. Ruídos, estreia de Kim Soo-jin na direção, segue esse caminho com coragem e ruído, às vezes em excesso. O longa mistura o horror sobrenatural com uma crítica à crise imobiliária da Coreia do Sul, criando uma experiência sonora e psicológica que é tão inquieta quanto seus personagens. O que começa como uma história de desaparecimento rapidamente se desdobra em um retrato sensorial da angústia, da solidão e do medo de não ser ouvido, literal e metaforicamente.

A trama acompanha Ju-hee (Han Soo-a), uma mulher atormentada por ruídos incessantes que parecem vir de todos os lados, dos vizinhos, das paredes, e talvez de algo além. Desesperada, ela tenta isolar o apartamento com almofadas acústicas enquanto perde o controle da própria sanidade. Quando desaparece misteriosamente, sua irmã Ju-young (Lee Sun-bin), que tem deficiência auditiva, retorna para investigar o que aconteceu. É a partir dela que Ruídos encontra seu coração, e seu silêncio.

O filme equilibra empatia e tensão com rara precisão, fazendo o público sentir não apenas o medo, mas também a solidão e a resistência da protagonista em um mundo que a silencia. A fotografia fria e sombria reforça o isolamento, enquanto o som, ou sua ausência assume o papel de vilão invisível. Os sustos mais eficazes não vêm de gritos ou trilhas sonoras, mas do próprio espaço, que parece conspirar contra quem o habita.

O filme se apoia em um design de som magistral, que transforma cada batida, rangido e sussurro em ameaça. A direção de Soo-jin compreende que o verdadeiro terror está naquilo que não conseguimos identificar. Quando Ju-young remove seu aparelho auditivo, o espectador é jogado no mesmo vazio sensorial, um silêncio que não alivia, apenas amplifica o medo. É uma escolha narrativa poderosa, e uma das mais inspiradas representações da surdez em um filme de horror recente.

No entanto, Ruídos também tropeça em suas próprias ambições. O roteiro de Lee Je-hui acumula ideias, crise habitacional, trauma, entidades sobrenaturais, paranoia urbana, e nem todas encontram espaço para ressoar. O terceiro ato se torna um labirinto de sustos visuais e revelações apressadas que enfraquecem a tensão construída com tanto cuidado. O título se torna quase literal: o filme, em seu clímax, perde a melodia e se torna apenas ruído.

Ainda assim, há uma sensibilidade única por trás do caos. Kim Soo-jin demonstra domínio técnico e um olhar preciso sobre o horror social, algo que a coloca entre as novas vozes mais promissoras do gênero. Ruídos pode não ser uma sinfonia perfeita, mas é um prenúncio vibrante.

Ruídos é um filme que vibra nas frequências do medo contemporâneo, o medo de ser engolido pela cidade, de ser ignorado, de perder o controle. Imperfeito, mas cheio de potencial, ele reafirma a força do terror sul-coreano em transformar o cotidiano em pesadelo. Quando o silêncio cai, o que permanece é a sensação incômoda de que o verdadeiro horror não está nos fantasmas, mas no que deixamos de ouvir.

NOTA:  4 | de 5

O terror ‘Ruídos’, de Kim Soo-jin, estreia nos cinemas no dia 9 de outubro, convidando o público a mergulhar entre o barulho e o silêncio

Título Original: Noise
Direção: Kim Soo-jin
Roteiro: Lee Je-hui
Elenco: Lee Sun-bin, Han Soo-a, Kim Min-Seok, Ryu Kyung-soo, Jeon Ik-ryeong, Lee Hyoung-hoon, Baek Joo-Hee
Distribuição: A2 Filmes

Coreia do Sul | 2024 | 95 Min. | Terror Psicológico – Suspense | 16 anos

Criador de conteúdo do ON Pop Life, é apaixonado por cinema, cultura geek e pop japonesa. Atua há mais de 10 anos na cobertura de eventos, shows e já organizou eventos de anime.