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Crítica | ‘Totto-chan: A Menina na Janela’: a imaginação como refúgio em tempos de guerra

Há filmes que se impõem pela grandiosidade visual, e há outros que nos conquistam pelo silêncio delicado com que tratam a infância. Totto-chan: A Menina na Janela pertence ao segundo grupo, uma animação que, sob a aparência de um conto leve e colorido, revela uma profunda sensibilidade sobre liberdade, empatia e o poder da imaginação diante do horror da guerra.

Inspirado nas memórias de Tetsuko Kuroyanagi, uma das figuras mais queridas da televisão japonesa, o longa dirigido por Shinnosuke Yakuwa (veterano dos filmes de Doraemon) revisita o Japão dos anos 1940 pelos olhos de uma criança que se recusa a ser moldada pelas regras. Totto-chan é curiosa, inquieta e cheia de vida, o tipo de aluna que as escolas tradicionais não sabem lidar. Expulsa por “não se comportar”, ela encontra abrigo na Tomoe Gakuen, uma escola onde as aulas acontecem dentro de vagões de trem e a educação nasce do afeto e da descoberta.

O diretor Kobayashi é o primeiro adulto a enxergar Totto-chan como alguém, e não como um problema. Sua pedagogia é simples e revolucionária: escutar antes de ensinar. A partir dessa relação, o filme constrói um retrato emocionante sobre a infância como território de experimentação, onde o aprendizado acontece tanto nos livros quanto nas trocas humanas, especialmente na amizade com Yasuaki, um menino com poliomielite que Totto-chan acolhe com ternura e coragem.

Yakuwa transforma cada lembrança em poesia visual. O trem-escola que Totto-chan visita pela primeira vez parece deslizar por um mundo de sonhos; os sons do cotidiano ganham textura; as cores dançam como se nascessem da mente curiosa da protagonista. É uma animação de beleza arrebatadora, que encontra no traço tradicional e na sensibilidade da direção de arte uma forma de traduzir o olhar de uma criança sobre o mundo.

Mas Totto-chan também é um filme sobre a perda da inocência. À medida que o Japão mergulha na Segunda Guerra Mundial, as cores começam a se apagar, os risos se tornam mais raros e as pequenas restrições do cotidiano, a comida que falta, a proibição de usar palavras estrangeiras, o medo constante, revelam o peso da realidade. Mesmo assim, Totto-chan insiste em ver luz nas frestas da dor. A esperança, aqui, não é ingênua: é resistência.

O que poderia ser uma história piegas sobre superação se transforma em um retrato honesto e profundamente humano sobre crescer em meio ao caos. A direção nunca se rende à melancolia fácil, ela confia no olhar infantil, que é capaz de encontrar beleza até nas sombras.

Totto-chan: A Menina na Janela é uma joia rara: um filme que fala com a criança que ainda existe dentro de cada um de nós, sem subestimar a dor nem o encanto da descoberta. Shinnosuke Yakuwa entrega uma obra que emociona pela simplicidade e pela verdade, um lembrete de que, mesmo quando o mundo desaba lá fora, a imaginação continua sendo a nossa janela mais luminosa. 

NOTA:  5 | de 5

Distribuído pela Sato Company, Totto-chan: A Menina na Janela estreia nos cinemas em 9 de outubro

FICHA TÉCNICA
Direção:
 Shinnosuke Yakuwa
Codireção: Yûta Kanbe (cena do trem), Kunio Katô (cena subaquática) e Setsuka Kawahara (cena do pesadelo)
Roteiro: Shinnosuke Yakuwa e Yôsuke Suzuki, baseado no livro de Tetsuko Kuroyanagi
Produção: Keiji Tagawa e Reina Takahashi
Fotografia: Kentaro Minegishi
Montagem: Toshihiko Kojima
Direção de Arte: Tatsuya Kushida
Música: Yûji Nomi
Canção-tema: Aimyon
País e ano de produção: Japão, 2023
Duração: 114 minutos
Distribuição no Brasil: SATO Company 

ELENCO
Liliana Ôno – Totto-chan
Kôji Yakusho – Sôsaku Kobayashi
Shun Oguri – Moritsuna Kuroyanagi
Anne Watanabe – Cho Kuroyanagi
Karen Takizawa – Miss Oishi

Criador de conteúdo do ON Pop Life, é apaixonado por cinema, cultura geek e pop japonesa. Atua há mais de 10 anos na cobertura de eventos, shows e já organizou eventos de anime.