Dormir de Olhos Abertos acompanha Kai, uma jovem chinesa que chega ao Recife após um término amoroso e, de forma quase casual, se aproxima de outros trabalhadores imigrantes que vivem à margem da cidade. O filme parte de cenas triviais, um ar-condicionado quebrado, uma visita a uma loja de guarda-chuvas, e logo se transforma em um passeio silencioso por espaços urbanos, atravessados por afeto, exílio e labuta diária, sempre permeados por uma sensação de deslocamento e isolamento.
Na trama uma mulher de Taiwan presa à espera de um encontro que não se concretiza; um ambulante que oferece objetos desalinhados com o entorno, como se vendesse ruídos ao silêncio; e uma jovem inserida num comércio familiar onde sua presença é tão invisível quanto sua função. Os personagens Xiao Xin, Fu Ang e Kai percorrem o Recife como se estivessem passando por um sonho opaco, onde tudo lhes é estranho, distante. Eles não viajam para descobrir, mas para lidar com o que foi perdido.
A diretora Nele Wohlatz, em colaboração com Pío Longo, constrói uma narrativa que privilegia o distanciamento. Os enquadramentos amplos e a frieza da câmera criam uma barreira entre o espectador e os personagens, reforçando a sensação de que eles existem apenas para trabalhar ou se lamentar. O cinema observacional, sem aproximação emocional, transforma o cotidiano em uma espécie de estudo silencioso sobre solidão e alienação.

As cenas se acumulam de forma fragmentada, muitas vezes sem uma transição clara, exigindo atenção constante para compreender o fluxo da história. O efeito é uma experiência contemplativa, mas que pode se tornar dispersa em alguns momentos.
Um detalhe interessante é o uso predominante do espanhol, em vez do português. A protagonista aprende castelhano, se envolve com um argentino e a narrativa se concentra nesse idioma, acentuando ainda mais a sensação de distanciamento cultural, mesmo em um cenário brasileiro.
Embora a proposta de explorar a vida de imigrantes chineses no Brasil seja relevante e rara no cinema atual, a obra se mantém à distância de seus próprios personagens e temas. Personagens desaparecem da narrativa sem explicação, seja por mudanças de cidade ou retorno ao país de origem, e a relação entre imagem e protagonista parece deliberadamente instável.
Premiado no Festival de Berlim, o longa aborda questões de pertencimento, exclusão e preconceito. Os personagens transmitem uma melancolia contida, raramente expressam emoções intensas, enquanto as paisagens grandiosas criam um contraste: a sensação de que eles jamais pertencem plenamente ao espaço em que estão inseridos.
Apesar da frieza narrativa, Dormir de Olhos Abertos oferece um olhar único e sensível sobre o encontro entre culturas e as experiências de imigrantes, e é uma obra que vale a atenção de quem busca cinema reflexivo e provocativo.
NOTA: 4 | de 5

Dormir de Olhos Abertos | Distribuído pela Sessão Vitrine Petrobras, o filme estreia nos cinemas em 11 de setembro.
FICHA TÉCNICA
Direção: Nele Wohlatz
Produção: Emilie Lesclaux, Kleber Mendonça Filho, Justine O., Roger Huang, Violeta Bava, Rosa Martínez Rivero, Meike Martens, Nele Wohlatz
Roteiro: Nele Wohlatz, Pío Longo
Direção de Fotografia: Roman Kasseroller
Direção de Arte: Diogo Hayashi
Figurino: Rita Azevedo
Produção Executiva: Dora Amorim, Maurício Macedo
Gerência de Produção: Mariana Jacob
Montagem: Yann-shan Tsai, Ana Godoy
Som Direto: Javier Farina
Direção de Som: Mercedes Tennina, Tu Duu-Chih
Mixagem de Som: Sebastián González, Tu Duu-Chih
Correção de Cor: Hung Wen Kai
Supervisão de Efeitos Visuais (VFX): Tu Wei Ting
Ano e países de produção: Brasil, Argentina, Taiwan e Alemanha, 2024
Duração: 97 min
ELENCO
Liao Kai Ro …………… Kai
Chen Xiao Xin …………… Xiaoxin
Wang Shin-Hong …………… Fu Ang
Nahuel Pérez Biscayart …………… Leo
Lu Yang Zong …………… Yang Zong


