
Do Sul, A Vingança chega ao público cercado de um discurso marcante: o de ser o primeiro longa inteiramente filmado no Mato Grosso do Sul.
Mas o que realmente se destaca é o raro investimento cinematográfico em uma região frequentemente ausente das telas: o Centro-Oeste brasileiro. Situando-se nas zonas de fronteira entre Brasil, Paraguai e Bolívia, o longa mergulha em um imaginário típico dos thrillers ambientados em territórios de limite, zonas ambíguas onde a lei é frágil e o poder muda de mãos com violência.
A paisagem sul-mato-grossense, então, assume um papel simbólico: palco de corrupção, tráfico e violência, mas também de resistência narrativa, ao reivindicar um espaço próprio no mapa cinematográfico nacional.
Na trama Felipe Lourenço interpreta Lauriano, um escritor de aparência discreta e modos contidos, mas com um interesse nada convencional: mergulhar nas entranhas do crime organizado brasileiro. Ao invés de se limitar a arquivos policiais ou relatos de terceiros, ele escolhe ouvir diretamente os protagonistas do submundo, milicianos, traficantes, assassinos, na busca por histórias para seus livros de ‘true crime’. O acesso quase instantâneo que Lauriano tem a essas figuras perigosas, e a facilidade com que elas compartilham planos e confissões, impõem uma suspensão de descrença que o roteiro nem sempre consegue sustentar.
A narrativa ganha novos contornos quando o autor decide investigar um certo “Jacaré” (vivido por Espedito Di Montebranco), figura envolta em mistério e indicada por Victor Bautista (Leandro Faria), político em prisão domiciliar. A partir daí, a história entra em terreno mais turbulento: alianças frágeis, traições súbitas e personagens que trocam de lealdade sem aviso criam um emaranhado de reviravoltas. O filme parece mirar alto, apostando numa estrutura intrincada e cheia de camadas, mas nem sempre consegue sustentar o próprio labirinto narrativo. Entre reviravoltas e mudanças de tom, corre o risco de se tornar refém da complexidade que tenta construir.
Ao longo da jornada, as histórias contadas por Jacaré ganham forma na tela, desdobrando-se como fragmentos de memória, ou de invenção. A linha entre fato e ficção se torna cada vez mais turva, revelando um filme que tanto explora a narrativa quanto questiona sua própria veracidade. Afinal, na fronteira, tudo pode ser verdade ou mentira.
Fábio Flecha parece ter bebido direto da fonte dos ícones do cinema de ação dos anos 1990. Seu filme transborda estilo: aquelas cenas em preto e branco com detalhes vermelhos pulsando na tela, closes ousados de armas apontadas para o público, personagens que mais parecem saídos de uma graphic novel, charutos nos dentes, poses performáticas e frases de efeito.
Mas o excesso de estilo nem sempre vem acompanhado de substância. O que poderia ser um universo visual marcante acaba se fragmentando em escolhas que não conversam entre si. A estética, por vezes, pesa mais do que a narrativa consegue suportar, e o resultado é um mosaico de ideias visuais que, em vez de se somarem, colidem. O filme tenta soar como homenagem, mas por vezes flerta com a paródia involuntária.
Não é mero acaso que Do Sul: A Vingança tenha atravessado fronteiras e conquistado prêmios como o Los Angeles Film Awards ou um lugar entre os finalistas do World Film Festival, em Cannes. É o tipo de reconhecimento que costuma escapar a filmes feitos fora do eixo, mas que aqui parece inevitável. Há algo de urgente e inegociável nessa obra, um cinema que não pede espaço, ocupa. Que não teme ser imperfeito, desde que seja autêntico.
O impacto não está apenas na técnica, mas na atitude. Este é um filme que parece saber, desde o primeiro quadro, que seu valor está justamente em não seguir fórmulas. Seu exagero é gesto criativo, sua ousadia, linguagem.
NOTA | 3,5/5
“Do Sul, a Vingança” estreou nos cinemas brasileiros em 15 de maio
Ficha Técnica
Título: Do Sul, a Vingança.
Gênero: Ação / Comédia.
Duração: 107 min.
Direção: Fábio Flecha.
Produção: Render Brasil.
Distribuição: Kolbe Arte.
Elenco: Espedito Di Montebranco (Jacaré), Bruno Moser (Febem), Felipe Lourenço (Lauriano), Leandro Faria (Victor Bautista), Luciana Kreutzer (Dra. Lucia),Victor Samudio (Edson), David Cardoso (Coronel Massada).
Seleções em festivais:
● Finalista – World Film Festival (Cannes)
● Seleção oficial – Los Angeles Film Awards 2025
Trailer
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